Ninguém é pai de um poema sem morrer.
MB
Não que ele
achasse, e sem rótulo (que ele não gostava e eu não gosto), mas a sua é uma
poesia que namora com o ambiente, dado o respirar da terra que mora em suas
escolhas para palavrear o que sentiu e pensou, viu e saboreou.
Morreu.
Foi. Legou-nos tudo o que “amarrou no poste” (A gente
nasce, cresce, amadurece, envelhece, morre. Para não morrer, tem que amarrar o
tempo no poste. Eis a ciência da poesia: amarrar o tempo no poste.). E tudo é tanto. E tudo é belo.
Desde o dia
13 de novembro de 2014 que o sentido da sua vida se completou. E o sentido da
sua poesia, esse, temo-lo aí, aqui mesmo. Basta ler. Sortudos – estendemos a
mão e a alcançamos os livros de Manoel de Barros.
Manoel de Barros, poeta brasileiro, 1916-2014,
amou ser neste planeta.
Por exemplo, assim de repente:
Esse
homem pois que apreciava as árvores de sons
amarelos-
ele se merejava sobre a carne dos muros
e
era ignorante como as águas.
Nunca
sabia direito qual o período necessário para
um
sapato ser árvore. Muito menos era capaz de
dizer
qual a quantidade de chuvas que uma pessoa
necessita
para que o lodo apareça em suas paredes.
De
modo que se fechou esse homem: na pedra: como
ostra:
frase por frase, ferida por ferida, musgo por musgo:
moda
um rio que secasse: até de nenhuma ave
ou
peixe. Até de nunca ou durante. E de ninguém
anterior. Moda nada.
_________
Borboleta
morre verde em seu olho sujo de pedra.
O
sapo é muito equilibrado pelas árvores.
Dorme
perante polens e floresce nos detritos.
Apalpa
bulbos com os seus dourados olhos.
Come
ovo de orvalho. Sabe que a lua
Tem
gosto de vaga-lume para as margaridas.
Precisa
muito de sempre
Passear
no chão. Aprende antro e estrelas.
(Tem
dia o sapo anda estrelamente!)
Moscas
são muito predominadas por ele.
Em
seu couro a manhã é sanguínea.
Espera
as falenas escorado em caules de pedra.
Limboso
é seu entardecer.
Tem
cios verdejantes em sua estagnação.
No
rosto a memória de um peixe.
De lama cria raízes e engole fiapos de
sol.
_______
-
Difícil de entender, me dizem, é a sua poesia, o
senhor
concorda?
-
Para entender nós temos dois caminhos: o da
sensibilidade
que é o entendimento do corpo; e o da
inteligência
que é o entendimento do espírito.
Eu
escrevo com o corpo
Poesia
não é para compreender mas para incorporar
Entender é parede: procure ser uma
árvore.
_______
Natureza
é fonte primordial?
-
Três coisas importantes eu conheço: lugar
apropriado
para um homem ser folha; pássaro que se
encontra
em situação de água; e lagarto verde que
canta
de noite na árvore vermelha. Natureza é uma
força
que inunda como os desertos. Que me enche
de
flores, calores, insetos, e me entorpece até a
paradeza
total dos reatores
Então
eu apodreço para a poesia
Em meu lavor se inclui o Paracleto.
_______
Água,
s. f.
Da
água é uma espécie de remanescente quem já
Incorreu
ou incorre em concha
Pessoas
que ouvem com a boca no chão seus
Rumores
dormidos pertencem das águas
Se
diz que no início eram somente elas
Depois
é que veio o murmúrio dos corgos para dar
Testemunho do nome de Deus
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Inseto,
s.m.
Indivíduo
com propensão a escória
Pessoa
que se adquire da umidade
Barata
pela qual alguém se vê
Quem
habita os próprios desvãos
Aqueles
a quem Deus gratificou com a sensualidade
(vide Dostoievski, Os irmãos Karamazov)
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Sol,
s. m.
Quem
tira a roupa da manhã e acende o mar
Quem
assanha as formigas e os touros
Diz-se
que:
se
a mulher espiar o seu corpo num ribeiro
florescido
de sol, sazona
Estar sol: o que a invenção de um verso
contém
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Pedra,
s. f.
Pequeno
sítio árido em que o lagarto de pernas
areientas
medra (como à beira de um livro)
Indivíduo
que tem nas ruínas prosperantes de sua
boca
avidez de raiz
Designa
o fim das águas e o restolho a que o homem
tende
Lugar
de uma pessoa haver musgo
Palavra
que certos poetas empregam para dar
concretude à solidão
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Árvore,
s. f.
Gente
que despetala
Possessão
de insetos
Aquilo
que ensina de chão
Diz-se
de alguém com resina e falenas
Algumas
pessoas em quem o desejo
é
capaz de irromper sobre o lábio
como se fosse a raiz de seu canto
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Que pessoa você é?
Maria José
Pessoa, 20 de novembro de 2014