terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Entrevista ao filósofo ambiental Eugene Hargrove por Magda Carvalho

Eugene Hargrove é um filósofo ambiental norte-americano, editor da prestigiada revista Environmental Ethics , autor de diversos títulos na área de ética ambiental, nomeadamente Foundations of Environmental Ethics (1989) e professor na Universidade de North Texas, onde lecciona ética ambiental.

Magda Carvalho é professora na Universidade dos Açores, tem publicações na área de ética ambiental e é membro da SEA.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Sobre a Compaixão, uma leitura de Emotional Awareness de Paul Ekman




As emoções unem e dividem o mundo no qual vivemos desencadeando o melhor e o pior nos nossos comportamentos, seja a uma escala pessoal e privada, seja a uma escala global.

Sem emoções não haveria lugar para o amor, a empatia, a compaixão, o heroísmo, mas também não haveria crueldade, maldade, ódio. O encontro entre Paul Ekman (psicólogo com obra vasta na área das emoções) e o Dalai Lama traduziu-se numa obra conjunta Emotional Awareness na qual a questão de fundo foi justamente esta:

Como resolver o padrão conflitivo das emoções e lançar pistas para um mundo globalmente mais compassivo e equilibrado emocionalmente ?

1ª constatação: o problema do nosso tempo. A educação é orientada para o individualismo, o egoísmo e a competição. Em termos globais, as relações internacionais baseiam-se na rivalidade - a Ásia rivaliza com o Ocidente e procura “ganhar a corrida”. Por outro lado, expande-se a consciência da interconexão e interdependência dos diferentes planos e seres da existência no sentido de uma representação tendencialmente budista do mundo, do planeta. O problema reside na recusa dos políticos em seguir essa consciência. Por conseguinte, assiste-se hoje, a duas forças antagónicas em conflito: uma historicamente enraizada impregnando o tecido político-económico, a outra emergindo como necessidade e hiper-consciência a partir dos destroços provocados por aquela.

A resolução positiva deste conflito precisa de equacionar com seriedade o grau de sofrimento e destruição globais provocados pelo domínio de emoções negativas e re-orientar a perspectiva do mundo para a riqueza das emoções positivas, como a compaixão e a solidariedade, em termos de benefícios globais.

Do ponto de vista budista tal significa a assunção de uma consciência global, ou seja, uma consciência não confinada a aspectos pontuais e particulares da existência de tal forma que, em termos pessoais, o ser é capaz de encarar o desaire, seja a dor ou a frustração, não confinado a uma instância presente específica onde adquire uma dimensão total e absoluta que é fonte permanente de sofrimento e inquietação. Uma educação dirigida para este tipo de consciência e cujo enfoque valorize as emoções positivas é fundamental para que, em termos globais, haja mudanças estruturais significativas.

Daqui decorre uma segunda constatação: a cultura da compaixão.

Na prática da meditação budista há, num 1º momento, uma reflexão profunda sobre a negatividade de uma consciência limitada e auto-centrada para a compreensão do potencial positivo e fecundo de uma consciência centrada no outro. A partir dessas reflexões, a compaixão torna-se uma cultura na prática budista.

Para uma educação alargada de uma cultura de compaixão é necessário compreender, em 1º lugar, que sem o interesse próprio não há determinação para o desenvolvimento do ser (quer pessoal, quer civilizacional), mas há que compreender também que o auto-centramento exclusivo é nocivo, pois não passa de egoísmo cego e primitivo. É fundamental também levar as pessoas a entender a compaixão não do ponto de vista de uma bela ideia, de um nobre ideal, mas do ponto de vista de uma apreciação ancorada na realidade, cujo potencial fecundo a torna necessária e urgente.

No entanto, como é possível esta tarefa de reconversão de valores a uma escala global? Será que os americanos, por exemplo, estarão dispostos a abdicar do consumo exorbitante de petróleo, ou os ocidentais, em geral, a abandonar dietas ricas em proteínas animais ou, ainda, os ricos a prescindir das suas vidas de luxo? Enfim, como será possível partilhar os recursos mundiais quando se tem uma civilização assente na inequidade ?

3ª constatação: a sustentabilidade do modus-vivendi actual.

O ponto de partida dessa mudança e que as pessoas precisam compreender é, justamente, a sustentabilidade dos seus próprios modos de vida consumistas e egoístas. Se continuarmos com estes padrões de consumo, quanto tempo durarão ainda? Se eu pensar nesta questão a sério, então talvez conclua que será melhor diminuir os meus padrões de consumo de forma a possibilitar aos meus filhos e netos uma vida com uma dívida menos pesada. Daí que talvez o sentido da compaixão para com os meus mais próximos possa constituir uma ajuda na salvação do mundo. Temos de partir deste primeiro nível – a família - sem esperar que o mundo inteiro vá seguir nesta direcção. Não esqueçamos, no entanto, que a responsabilidade de pensadores, políticos e franjas mais esclarecidas da sociedade civil é a de fazer o melhor que podem no sentido de criar um amanhã sustentável. E é urgente perceber que esta sustentabilidade exige uma reconversão de valores assente numa mudança emocional e cognitiva, pois que um mundo verdadeiramente sustentável não poderá ser atingido sem uma cultura de compaixão, ou, melhor ainda, sem uma consciência expandida que pensa o Outro, todo o outro - humano e não humano, senciente e não senciente - e se preocupa com ele. Justamente, preocupar - cuidar- curar, são termos aparentados, com a mesma raiz, e que exprimem a autêntica humanidade do Homem – ser-com-outro, ser-no-mundo. A preocupação constitui o primeiro passo para a cura, possível de alcançar através do cuidado connosco mesmos, com todo o outro que habita a nossa morada  e, naturalmente,  com a nossa própria morada (Terra). 
Síntese das ideias principais da obra citada


domingo, 7 de dezembro de 2014

ALTRUÍSMO



Muito embora, a representação dominante do evolucionismo enfatize a vertente egoísta na evolução das espécies (no mundo animal a competição bate a cooperação e os mais fortes deixam para trás os mais fracos), Darwin esboça nas suas obras mais tardias - Descent of Man (1871) e The Expression of Emotions in Man and Animals (1872) - uma teoria do altruísmo, como factor positivo de evolução. Esta perspectiva viria a ser prosseguida posteriormente em estudos diversificados, quer na área da neurobiologia, quer na da etologia quer ainda na da psicologia. Actualmente começa a ganhar consistência a tese de que o altruísmo é uma emoção inata e universal difundida entre o reino animal, desde mamíferos a insectos sociais, e é factor de incremento da sobrevivência do grupo/espécie. Os primatas, por exemplo, passam grande parte do seu tempo a cuidar uns dos outros. Inclusivamente, usam o cuidar de outrem como forma de evitar conflitos e de estabelecer alianças. Nos seres humanos são patentes os traços da compaixão que espontaneamente ocorrem (olhar, fisionomia, etc) nas relações com os outros. Do ponto de vista evolucionista, os sentimentos compassivos inatos para com os nossos mais próximos – nomeadamente, os filhos - constituiu uma poderosa ferramenta adaptativa aumentando as hipóteses de sobrevivência da descendência e contribuindo para a coesão e adaptação do grupo .

Inúmeros estudos multidisciplinares (a par com a própria percepção comum) mostram que, na generalidade, o ser humano perante uma tragédia de alguém possui a capacidade de se colocar no seu lugar e imaginar a angústia e a dor que o infortúnio gera nesse outro. Ora tal faculdade, adoptar, sentindo, a perspectiva e o sentir do outro é das mais importantes do comportamento humano pois é ela que permite o juízo moral, a moralidade e o estabelecimento do contrato social. Além de que, os mesmos estudos demonstram, o sentimento da compaixão está profundamente enraizado na natureza humana, fruto das vantagens adaptativas na evolução da espécie, ao vir determinado por uma base neurofisiológica. Investigações recentes das neurociências sugerem que as emoções positivas são menos determinadas pela hereditariedade do que a emoções negativas, outras investigações concluem que os sentimentos positivos são mais plásticos e logo mais afectados pelo meio. Assim, poder-se-á pensar que a compaixão é uma competência biológica que pode/deve ser desenvolvida num contexto adequado. Esta representação contraria a difundida concepção de que o egoísmo, o individualismo, a ambição e a competição forjam o âmago do ser humano e constituem o motor da história evolutiva humana. Na prática, a assunção desse pressuposto tem orientado e determinado largas franjas de actividade humana - negócios, política, sociedade em geral – contribuindo para a "anemia" dos sentimentos altruístas. No entanto, uma diferente visão do ser humano, apoiada nas investigações que justificam o altruísmo e a compaixão como fundamentos inatos de coesão social, oferece um maior ganho e uma maior satisfação provendo as bases para um mundo mais ético. Um mundo onde a exclusão e o sofrimento  nela implicado, quer de humanos quer de não humanos, não seja um dado corrente, objecto de indiferença generalizada ou de piedade hipócrita,  mas um acto imoral condenável por toda a sociedade. 


Mª José Varandas

SENCIÊNCIA



"O argumento para alargarmos o princípio da igualdade além da nossa espécie é simples. Vimos que este princípio implica que a nossa preocupação pelos outros não depende do seu aspecto, nem das suas capacidades. É nesta base que podemos dizer que o facto de algumas pessoas não pertencerem à nossa etnia, tal não nos dá o direito de as explorar, tal como o facto de algumas pessoas serem menos inteligentes que outras isso não significa que os seus interesses possam ser ignorados. Assim, este princípio implica também que o facto de certos seres não pertencerem à nossa espécie, tal não nos dá o direito de os explorar e, do mesmo modo, o facto de os animais serem menos inteligentes que nós não significa que os seus interesses possam ser ignorados (...) Bentham escreveu: «Talvez chegue um dia em que a restante criação animal venha a adquirir os direitos de que só poderam ser privados pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o negro de pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem remédio aos caprichos de um torcionário. É possível que um dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do sacrum são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino. A questão não é saber se eles podem pensar ou falar,
mas sim se podem sofrer».
Se um ser sofre não pode haver justificação moral para a recusa de tomar esse sofrimento em consideração (...) A dor e o sofrimento são maus e devem ser evitados ou minimizados, independentemente da raça , sexo ou espécie do ser que os sofrem."
Peter Singer