Muito embora, a representação dominante do evolucionismo enfatize
a vertente egoísta na evolução das espécies (no mundo animal a competição bate
a cooperação e os mais fortes deixam para trás os mais fracos), Darwin esboça
nas suas obras mais tardias - Descent of
Man (1871) e The Expression of
Emotions in Man and Animals (1872) - uma teoria do altruísmo, como factor
positivo de evolução. Esta perspectiva viria a ser prosseguida posteriormente
em estudos diversificados, quer na área da neurobiologia, quer na da etologia
quer ainda na da psicologia. Actualmente começa a ganhar consistência a tese de
que o altruísmo é uma emoção inata e universal difundida entre o reino animal,
desde mamíferos a insectos sociais, e é factor de incremento da sobrevivência
do grupo/espécie. Os primatas, por exemplo, passam grande parte do seu tempo
a cuidar uns dos outros. Inclusivamente, usam o cuidar de outrem como forma de
evitar conflitos e de estabelecer alianças. Nos seres humanos são patentes os
traços da compaixão que espontaneamente ocorrem (olhar, fisionomia, etc) nas
relações com os outros. Do ponto de vista evolucionista, os sentimentos
compassivos inatos para com os nossos mais próximos – nomeadamente, os filhos -
constituiu uma poderosa ferramenta adaptativa aumentando as hipóteses de
sobrevivência da descendência e contribuindo para a coesão e adaptação do grupo
.
Inúmeros estudos multidisciplinares (a par com a própria
percepção comum) mostram que, na generalidade, o ser humano perante uma
tragédia de alguém possui a capacidade de se colocar no seu lugar e imaginar a
angústia e a dor que o infortúnio gera nesse outro. Ora tal faculdade, adoptar,
sentindo, a perspectiva e o sentir do outro é das mais importantes do
comportamento humano pois é ela que permite o juízo moral, a moralidade e o
estabelecimento do contrato social. Além de que, os mesmos estudos demonstram,
o sentimento da compaixão está profundamente enraizado na natureza humana, fruto
das vantagens adaptativas na evolução da espécie, ao vir determinado por uma base
neurofisiológica. Investigações recentes das neurociências sugerem
que as emoções positivas são menos determinadas pela hereditariedade do que a emoções
negativas, outras investigações concluem que os sentimentos positivos são mais
plásticos e logo mais afectados pelo meio. Assim, poder-se-á pensar que a
compaixão é uma competência biológica que pode/deve ser desenvolvida num
contexto adequado. Esta representação contraria a difundida concepção de que o
egoísmo, o individualismo, a ambição e a competição forjam o âmago do ser
humano e constituem o motor da história evolutiva humana. Na prática, a
assunção desse pressuposto tem orientado e determinado largas franjas de
actividade humana - negócios, política, sociedade em geral – contribuindo para
a "anemia" dos sentimentos altruístas. No entanto, uma diferente visão do ser
humano, apoiada nas investigações que justificam o altruísmo e a compaixão como
fundamentos inatos de coesão social, oferece um maior ganho e uma maior
satisfação provendo as bases para um mundo mais ético. Um mundo onde a exclusão
e o sofrimento nela implicado, quer de humanos quer de não humanos, não seja um dado corrente, objecto de indiferença generalizada ou de piedade hipócrita, mas um acto imoral condenável por toda a sociedade.
Mª José Varandas