quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Sobre a Compaixão, uma leitura de Emotional Awareness de Paul Ekman




As emoções unem e dividem o mundo no qual vivemos desencadeando o melhor e o pior nos nossos comportamentos, seja a uma escala pessoal e privada, seja a uma escala global.

Sem emoções não haveria lugar para o amor, a empatia, a compaixão, o heroísmo, mas também não haveria crueldade, maldade, ódio. O encontro entre Paul Ekman (psicólogo com obra vasta na área das emoções) e o Dalai Lama traduziu-se numa obra conjunta Emotional Awareness na qual a questão de fundo foi justamente esta:

Como resolver o padrão conflitivo das emoções e lançar pistas para um mundo globalmente mais compassivo e equilibrado emocionalmente ?

1ª constatação: o problema do nosso tempo. A educação é orientada para o individualismo, o egoísmo e a competição. Em termos globais, as relações internacionais baseiam-se na rivalidade - a Ásia rivaliza com o Ocidente e procura “ganhar a corrida”. Por outro lado, expande-se a consciência da interconexão e interdependência dos diferentes planos e seres da existência no sentido de uma representação tendencialmente budista do mundo, do planeta. O problema reside na recusa dos políticos em seguir essa consciência. Por conseguinte, assiste-se hoje, a duas forças antagónicas em conflito: uma historicamente enraizada impregnando o tecido político-económico, a outra emergindo como necessidade e hiper-consciência a partir dos destroços provocados por aquela.

A resolução positiva deste conflito precisa de equacionar com seriedade o grau de sofrimento e destruição globais provocados pelo domínio de emoções negativas e re-orientar a perspectiva do mundo para a riqueza das emoções positivas, como a compaixão e a solidariedade, em termos de benefícios globais.

Do ponto de vista budista tal significa a assunção de uma consciência global, ou seja, uma consciência não confinada a aspectos pontuais e particulares da existência de tal forma que, em termos pessoais, o ser é capaz de encarar o desaire, seja a dor ou a frustração, não confinado a uma instância presente específica onde adquire uma dimensão total e absoluta que é fonte permanente de sofrimento e inquietação. Uma educação dirigida para este tipo de consciência e cujo enfoque valorize as emoções positivas é fundamental para que, em termos globais, haja mudanças estruturais significativas.

Daqui decorre uma segunda constatação: a cultura da compaixão.

Na prática da meditação budista há, num 1º momento, uma reflexão profunda sobre a negatividade de uma consciência limitada e auto-centrada para a compreensão do potencial positivo e fecundo de uma consciência centrada no outro. A partir dessas reflexões, a compaixão torna-se uma cultura na prática budista.

Para uma educação alargada de uma cultura de compaixão é necessário compreender, em 1º lugar, que sem o interesse próprio não há determinação para o desenvolvimento do ser (quer pessoal, quer civilizacional), mas há que compreender também que o auto-centramento exclusivo é nocivo, pois não passa de egoísmo cego e primitivo. É fundamental também levar as pessoas a entender a compaixão não do ponto de vista de uma bela ideia, de um nobre ideal, mas do ponto de vista de uma apreciação ancorada na realidade, cujo potencial fecundo a torna necessária e urgente.

No entanto, como é possível esta tarefa de reconversão de valores a uma escala global? Será que os americanos, por exemplo, estarão dispostos a abdicar do consumo exorbitante de petróleo, ou os ocidentais, em geral, a abandonar dietas ricas em proteínas animais ou, ainda, os ricos a prescindir das suas vidas de luxo? Enfim, como será possível partilhar os recursos mundiais quando se tem uma civilização assente na inequidade ?

3ª constatação: a sustentabilidade do modus-vivendi actual.

O ponto de partida dessa mudança e que as pessoas precisam compreender é, justamente, a sustentabilidade dos seus próprios modos de vida consumistas e egoístas. Se continuarmos com estes padrões de consumo, quanto tempo durarão ainda? Se eu pensar nesta questão a sério, então talvez conclua que será melhor diminuir os meus padrões de consumo de forma a possibilitar aos meus filhos e netos uma vida com uma dívida menos pesada. Daí que talvez o sentido da compaixão para com os meus mais próximos possa constituir uma ajuda na salvação do mundo. Temos de partir deste primeiro nível – a família - sem esperar que o mundo inteiro vá seguir nesta direcção. Não esqueçamos, no entanto, que a responsabilidade de pensadores, políticos e franjas mais esclarecidas da sociedade civil é a de fazer o melhor que podem no sentido de criar um amanhã sustentável. E é urgente perceber que esta sustentabilidade exige uma reconversão de valores assente numa mudança emocional e cognitiva, pois que um mundo verdadeiramente sustentável não poderá ser atingido sem uma cultura de compaixão, ou, melhor ainda, sem uma consciência expandida que pensa o Outro, todo o outro - humano e não humano, senciente e não senciente - e se preocupa com ele. Justamente, preocupar - cuidar- curar, são termos aparentados, com a mesma raiz, e que exprimem a autêntica humanidade do Homem – ser-com-outro, ser-no-mundo. A preocupação constitui o primeiro passo para a cura, possível de alcançar através do cuidado connosco mesmos, com todo o outro que habita a nossa morada  e, naturalmente,  com a nossa própria morada (Terra). 
Síntese das ideias principais da obra citada