As emoções unem e dividem o
mundo no qual vivemos desencadeando o melhor e o pior nos nossos
comportamentos, seja a uma escala pessoal e privada, seja a uma escala global.
Sem emoções não haveria lugar
para o amor, a empatia, a compaixão, o heroísmo, mas também não haveria crueldade,
maldade, ódio. O encontro entre Paul Ekman (psicólogo com obra vasta na área
das emoções) e o Dalai Lama traduziu-se numa obra conjunta Emotional Awareness na qual a questão de fundo foi justamente esta:
Como resolver o padrão
conflitivo das emoções e lançar pistas para um mundo globalmente mais
compassivo e equilibrado emocionalmente ?
1ª constatação: o problema do
nosso tempo. A educação é orientada para o individualismo, o egoísmo e a
competição. Em termos globais, as relações internacionais baseiam-se na
rivalidade - a Ásia rivaliza com o Ocidente e procura “ganhar a corrida”. Por
outro lado, expande-se a consciência da interconexão e interdependência dos
diferentes planos e seres da existência no sentido de uma representação
tendencialmente budista do mundo, do planeta. O problema reside na recusa dos
políticos em seguir essa consciência. Por conseguinte, assiste-se hoje, a duas
forças antagónicas em conflito: uma historicamente enraizada impregnando o
tecido político-económico, a outra emergindo como necessidade e
hiper-consciência a partir dos destroços provocados por aquela.
A resolução positiva deste
conflito precisa de equacionar com seriedade o grau de sofrimento e destruição
globais provocados pelo domínio de emoções negativas e re-orientar a
perspectiva do mundo para a riqueza das emoções positivas, como a compaixão e a
solidariedade, em termos de benefícios globais.
Do ponto de vista budista tal
significa a assunção de uma consciência global, ou seja, uma consciência não
confinada a aspectos pontuais e particulares da existência de tal forma que, em
termos pessoais, o ser é capaz de encarar o desaire, seja a dor ou a
frustração, não confinado a uma instância presente específica onde adquire uma
dimensão total e absoluta que é fonte permanente de sofrimento e inquietação.
Uma educação dirigida para este tipo de consciência e cujo enfoque valorize as
emoções positivas é fundamental para que, em termos globais, haja mudanças
estruturais significativas.
Daqui decorre uma segunda
constatação: a cultura da compaixão.
Na prática da meditação budista
há, num 1º momento, uma reflexão profunda sobre a negatividade de uma
consciência limitada e auto-centrada para a compreensão do potencial positivo e
fecundo de uma consciência centrada no outro. A partir dessas reflexões, a
compaixão torna-se uma cultura na prática budista.
Para uma educação alargada de
uma cultura de compaixão é necessário compreender, em 1º lugar, que sem o
interesse próprio não há determinação para o desenvolvimento do ser (quer pessoal,
quer civilizacional), mas há que compreender também que o auto-centramento
exclusivo é nocivo, pois não passa de egoísmo cego e primitivo. É fundamental
também levar as pessoas a entender a compaixão não do ponto de vista de uma
bela ideia, de um nobre ideal, mas do ponto de vista de uma apreciação ancorada
na realidade, cujo potencial fecundo a torna necessária e urgente.
No entanto, como é possível esta
tarefa de reconversão de valores a uma escala global? Será que os americanos,
por exemplo, estarão dispostos a abdicar do consumo exorbitante de petróleo, ou
os ocidentais, em geral, a abandonar dietas ricas em proteínas animais ou,
ainda, os ricos a prescindir das suas vidas de luxo? Enfim, como será possível
partilhar os recursos mundiais quando se tem uma civilização assente na
inequidade ?
3ª constatação: a
sustentabilidade do modus-vivendi
actual.
O ponto de partida dessa mudança
e que as pessoas precisam compreender é, justamente, a sustentabilidade dos
seus próprios modos de vida consumistas e egoístas. Se continuarmos com estes
padrões de consumo, quanto tempo durarão ainda? Se eu pensar nesta questão a
sério, então talvez conclua que será melhor diminuir os meus padrões de consumo
de forma a possibilitar aos meus filhos e netos uma vida com uma dívida menos
pesada. Daí que talvez o sentido da compaixão para com os meus mais próximos
possa constituir uma ajuda na salvação do mundo. Temos de partir deste primeiro
nível – a família - sem esperar que o mundo inteiro vá seguir nesta direcção. Não
esqueçamos, no entanto, que a responsabilidade de pensadores, políticos e
franjas mais esclarecidas da sociedade civil é a de fazer o melhor que podem no
sentido de criar um amanhã sustentável. E é urgente perceber que esta
sustentabilidade exige uma reconversão de valores assente numa mudança emocional
e cognitiva, pois que um mundo verdadeiramente sustentável não poderá ser
atingido sem uma cultura de compaixão, ou, melhor ainda, sem uma consciência
expandida que pensa o Outro, todo o outro - humano e não humano, senciente e
não senciente - e se preocupa com ele. Justamente, preocupar - cuidar- curar,
são termos aparentados, com a mesma raiz, e que exprimem a autêntica humanidade
do Homem – ser-com-outro, ser-no-mundo. A preocupação constitui o primeiro
passo para a cura, possível de alcançar através do cuidado connosco mesmos,
com todo o outro que habita a nossa morada e, naturalmente, com a nossa própria morada (Terra).
Síntese das ideias principais da obra citada